Ana Beatriz, Professora de Redação do Colégio Objetivo Nova Odessa, discute sobre o tema do ENEM 2023
A importância do tema do ENEM
2023 - Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado
realizado pela mulher no Brasil.
Ana Beatriz David de Andrade.
O tema do ENEM deste ano, “desafios para o enfrentamento da
invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasilâ€,
surpreendeu a muitos candidatos, embora essa discussão seja urgente. Urgente
porque, como a própria frase do tema deixa claro, o trabalho de cuidado
realizado pela mulher no Brasil é invisibilizado, ou seja, não se discute nem
se reflete sobre ele nas esferas públicas (e, na maior parte dos casos, nem
privadas) da sociedade brasileira.
Para isso, convidamos a nossa Professora de Redação do Curso
Pré-Vestibular do Colégio Objetivo Nova Odessa, Ana Beatriz David de Andrade,
formada no curso de Letras – Licenciatura - da UNICAMP e Mestra em
Historiografia e História Literária na UNICAMP para falar um pouco mais sobre
este tema e discutir sobre o assunto.
Em primeiro lugar, é importante entendermos o que significa
“trabalho de cuidado realizado pela mulherâ€. Ao contrário do que muitos pensam,
esse trabalho não diz respeito às pessoas que atuam profissionalmente como faxineiras/diaristas
etc, mas, sim, a todo trabalho realizado em casa majoritariamente pelas
mulheres, como limpar a casa; preparar as refeições; comprar alimentos; educar
e cuidar das crianças; cuidar dos idosos; lavar a louça; entre outros afazeres
que são fundamentais para que a vida de todos que moram naquele local continue
e para que a sociedade mantenha seu funcionamento no dia a dia. Logo, por
manter a sociedade funcionando, esse trabalho é fundamental para que o
capitalismo, sistema econômico no qual se insere a sociedade brasileira, continue
atuando. Isso porque, de acordo com Bela Gil, culinarista e apresentadora de
televisão, no programa “Saia Justa no GNTâ€, a mulher “produz e reproduz o maior
bem do capitalismo, que é a força de trabalho, e a gente [mulher] faz isso de
graça, sem ganhar nada em troca, em nome do tal amor incondicionalâ€.
Assim, a força de trabalho remunerado só se mantém porque há
uma mulher, na maior parte dos casos, cuidando da comida, das vestimentas, da
casa, gratuitamente, de todos que trabalham. Conforme revela a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, as mulheres realizam 76,2% do total
de horas de trabalho de cuidado não remunerado, sendo mais que o triplo do
realizado pelos homens.
Outro apontamento,
que pode nos ajudar a elucidar essa questão, foi feito por Paulo dos Santos,
economista, para o The Intercept Brasil:
“Por
que eu, empresário, tenho que pagar licença maternidade ou paternidade porque
você decidiu ter filho e vai ficar fora para cuidar dele?â€, alguém vai dizer.
Ora, você emprega pessoas? Sim. Pois é, alguém cuidou e educou essas pessoas,
você já está se aproveitando desse trabalho que alguém desempenhou 25-30 anos
atrás. Mas o pensamento econômico atual não considera esse trabalho, que não
tem nada a ver com produtividade, como algo de valor: não tem valorização
salarial, não tem prestÃgio, não tem condições[1].
Em segundo lugar, essa invisibilidade é criada pelo sistema
patriarcal e o favorece, o qual perpetua a desigualdade entre homens e
mulheres, fazendo com que o abismo entre os gêneros aumente cada vez mais, pois
as mulheres, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica em 2018
e as autoras Nana Queiroz e Helena Bertho, dedicam 73% a mais de seu tempo às tarefas domésticas do
que os homens. Essa diferença se inicia já na infância, porque 76,8% das
meninas entre 6 e 14 anos lavam a louça, enquanto somente 12,5% dos meninos
fazem isso; também, 65,6% das meninas limpam a casa, ao passo em que apenas
11,4% dos meninos realizam essa tarefa.
Inclusive, o senso
comum de que “as mulheres se desdobram em mil, conseguem fazer várias coisas ao
mesmo tempo, enquanto os homens só conseguem focar em uma coisa†apenas reforça
a posição de trabalho de cuidado na qual a mulher é inserida e para a qual é
ensinada desde cedo. As mulheres não se “desdobram em mil ao mesmo tempo"
somente por serem mulheres, mas porque são ensinadas, desde crianças, a fazerem
várias coisas ao mesmo tempo, enquanto os homens, em sua larga maioria, não.
Outro fator que
colabora para essa invisibilidade é o fato de o trabalho de cuidado não ser
considerado no cálculo do PIB (Produto Interno Bruto), apesar de movimentar
10,8 trilhões de dólares por ano em todo o mundo, com apenas quatro economias
mundiais (China; Estados Unidos; União Europeia e Ãndia) ficando acima desse
valor. Também, é uma cifra maior do que o faturamento das 50 maiores empresas
do mundo em 2018 e mais do que o dobro da produção da indústria de pecuária
mundiais, consoante a Oxfam Brasil - Tempo de cuidar.
Mais um ponto crucial para o debate sobre invisibilidade é
que, como citado acima, Bela Gil argumenta que as mulheres fazem esse trabalho
“em nome do amor incondicionalâ€. Isto é, o trabalho de cuidado é invisibilizado
pois, na maior parte dos casos, é atrelado ao amor e ao afeto (pelo
companheiro, pelos filhos, pela famÃlia, pelos parentes etc), o que faz com que
não o enxerguemos como essencial e, portanto, como algo que exige muito esforço
e tempo. Assim, por gerar jornadas duplas/triplas diárias para as mulheres, o
trabalho de cuidado invisibilizado faz com que haja um aumento das doenças
fÃsicas e psicológicas entre o público feminino.
Portanto, debater e refletir sobre o trabalho de cuidado - não
remunerado, vale ressaltar - realizado principalmente por mulheres é
fundamental para, a princÃpio, entendermos como a sociedade na qual vivemos se
organiza economicamente, ideologicamente, socialmente, politicamente e para, em
seguida, examinarmos como podemos melhorá-la e modificá-la (no caso do ENEM,
através das propostas de intervenção).
Nesse breve texto, discuti apenas algumas questões e apresentei somente alguns dados relacionados ao trabalho de cuidado. Há muitos outros dados e várias outras fontes pertinentes para serem consultados, além de outros pontos relevantes para serem debatidos (como, por exemplo, a disparidade ainda maior entre trabalhos de cuidado realizados por homens brancos e por mulheres negras, especificamente).
FONTES:
https://lab.thinkolga.com/economia-do-cuidado/.
Acessado em: 07/11/2023, Ã s 18h00.
https://www.oxfam.org.br/forum-economico-de-davos/tempo-de-cuidar/.
Acessado em: 07/11/2023, Ã s 18h30.
Canal do gnt, pelo Instagram: https://www.instagram.com/p/CzULxSjOgOt/?igshid=MXd3YWtxaXNudTlhYw%3D%3D.
Acessado em: 07/11/2023, Ã s 18h25.
Página do Instagram @chargesdoniniu: https://www.instagram.com/p/CzR2uMZOVkf/?igshid=MTU5YjFxcDZ3dnp6OA%3D%3D.
Acessado em: 07/11/2023, Ã s 17h50.
Página do Instagram da Organização Internacional do
Trabalho: https://www.instagram.com/p/CzT1Fi0syT5/?igshid=MTdrZDg4cnpsbGtrOA%3D%3D.
Acessado em: 07/11/2023, Ã s 18h10.
Livro: Você já é feminista, com os artigos de Nana Queiroz e
Helena Bertho.
Página do Instagram https://www.instagram.com/juntasfestival/. Acessado em: 07/11/2023, às 17h40.
[1] Essa fala
foi retirada do site: https://lab.thinkolga.com/economia-do-cuidado/