Ana Beatriz, Professora de Redação do Colégio Objetivo Nova Odessa, discute sobre o tema do ENEM 2023

Ana Beatriz, Professora de Redação do Colégio Objetivo Nova Odessa, discute sobre o tema do ENEM 2023

  • Colégio Objetivo Nova Odessa
  • 8.NOVEMBRO.2023
  • Ensino Médio

A importância do tema do ENEM 2023 - Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil.

 

Ana Beatriz David de Andrade.

 

O tema do ENEM deste ano, “desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, surpreendeu a muitos candidatos, embora essa discussão seja urgente. Urgente porque, como a própria frase do tema deixa claro, o trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil é invisibilizado, ou seja, não se discute nem se reflete sobre ele nas esferas públicas (e, na maior parte dos casos, nem privadas) da sociedade brasileira.

Para isso, convidamos a nossa Professora de Redação do Curso Pré-Vestibular do Colégio Objetivo Nova Odessa, Ana Beatriz David de Andrade, formada no curso de Letras – Licenciatura - da UNICAMP e Mestra em Historiografia e História Literária na UNICAMP para falar um pouco mais sobre este tema e discutir sobre o assunto.

Em primeiro lugar, é importante entendermos o que significa “trabalho de cuidado realizado pela mulher”. Ao contrário do que muitos pensam, esse trabalho não diz respeito às pessoas que atuam profissionalmente como faxineiras/diaristas etc, mas, sim, a todo trabalho realizado em casa majoritariamente pelas mulheres, como limpar a casa; preparar as refeições; comprar alimentos; educar e cuidar das crianças; cuidar dos idosos; lavar a louça; entre outros afazeres que são fundamentais para que a vida de todos que moram naquele local continue e para que a sociedade mantenha seu funcionamento no dia a dia. Logo, por manter a sociedade funcionando, esse trabalho é fundamental para que o capitalismo, sistema econômico no qual se insere a sociedade brasileira, continue atuando. Isso porque, de acordo com Bela Gil, culinarista e apresentadora de televisão, no programa “Saia Justa no GNT”, a mulher “produz e reproduz o maior bem do capitalismo, que é a força de trabalho, e a gente [mulher] faz isso de graça, sem ganhar nada em troca, em nome do tal amor incondicional”.

Assim, a força de trabalho remunerado só se mantém porque há uma mulher, na maior parte dos casos, cuidando da comida, das vestimentas, da casa, gratuitamente, de todos que trabalham. Conforme revela a Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, as mulheres realizam 76,2% do total de horas de trabalho de cuidado não remunerado, sendo mais que o triplo do realizado pelos homens.

 Outro apontamento, que pode nos ajudar a elucidar essa questão, foi feito por Paulo dos Santos, economista, para o The Intercept Brasil:

“Por que eu, empresário, tenho que pagar licença maternidade ou paternidade porque você decidiu ter filho e vai ficar fora para cuidar dele?”, alguém vai dizer. Ora, você emprega pessoas? Sim. Pois é, alguém cuidou e educou essas pessoas, você já está se aproveitando desse trabalho que alguém desempenhou 25-30 anos atrás. Mas o pensamento econômico atual não considera esse trabalho, que não tem nada a ver com produtividade, como algo de valor: não tem valorização salarial, não tem prestígio, não tem condições[1].

 

Em segundo lugar, essa invisibilidade é criada pelo sistema patriarcal e o favorece, o qual perpetua a desigualdade entre homens e mulheres, fazendo com que o abismo entre os gêneros aumente cada vez mais, pois as mulheres, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2018 e as autoras Nana Queiroz e Helena Bertho, dedicam 73% a mais de seu tempo às tarefas domésticas do que os homens. Essa diferença se inicia já na infância, porque 76,8% das meninas entre 6 e 14 anos lavam a louça, enquanto somente 12,5% dos meninos fazem isso; também, 65,6% das meninas limpam a casa, ao passo em que apenas 11,4% dos meninos realizam essa tarefa.

 Inclusive, o senso comum de que “as mulheres se desdobram em mil, conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo, enquanto os homens só conseguem focar em uma coisa” apenas reforça a posição de trabalho de cuidado na qual a mulher é inserida e para a qual é ensinada desde cedo. As mulheres não se “desdobram em mil ao mesmo tempo" somente por serem mulheres, mas porque são ensinadas, desde crianças, a fazerem várias coisas ao mesmo tempo, enquanto os homens, em sua larga maioria, não.

 Outro fator que colabora para essa invisibilidade é o fato de o trabalho de cuidado não ser considerado no cálculo do PIB (Produto Interno Bruto), apesar de movimentar 10,8 trilhões de dólares por ano em todo o mundo, com apenas quatro economias mundiais (China; Estados Unidos; União Europeia e Índia) ficando acima desse valor. Também, é uma cifra maior do que o faturamento das 50 maiores empresas do mundo em 2018 e mais do que o dobro da produção da indústria de pecuária mundiais, consoante a Oxfam Brasil - Tempo de cuidar.

Mais um ponto crucial para o debate sobre invisibilidade é que, como citado acima, Bela Gil argumenta que as mulheres fazem esse trabalho “em nome do amor incondicional”. Isto é, o trabalho de cuidado é invisibilizado pois, na maior parte dos casos, é atrelado ao amor e ao afeto (pelo companheiro, pelos filhos, pela família, pelos parentes etc), o que faz com que não o enxerguemos como essencial e, portanto, como algo que exige muito esforço e tempo. Assim, por gerar jornadas duplas/triplas diárias para as mulheres, o trabalho de cuidado invisibilizado faz com que haja um aumento das doenças físicas e psicológicas entre o público feminino.

Portanto, debater e refletir sobre o trabalho de cuidado - não remunerado, vale ressaltar - realizado principalmente por mulheres é fundamental para, a princípio, entendermos como a sociedade na qual vivemos se organiza economicamente, ideologicamente, socialmente, politicamente e para, em seguida, examinarmos como podemos melhorá-la e modificá-la (no caso do ENEM, através das propostas de intervenção).

Nesse breve texto, discuti apenas algumas questões e apresentei somente alguns dados relacionados ao trabalho de cuidado. Há muitos outros dados e várias outras fontes pertinentes para serem consultados, além de outros pontos relevantes para serem debatidos (como, por exemplo, a disparidade ainda maior entre trabalhos de cuidado realizados por homens brancos e por mulheres negras, especificamente).  

FONTES:

https://lab.thinkolga.com/economia-do-cuidado/. Acessado em: 07/11/2023, às 18h00.

https://www.oxfam.org.br/forum-economico-de-davos/tempo-de-cuidar/. Acessado em: 07/11/2023, às 18h30.

Canal do gnt, pelo Instagram: https://www.instagram.com/p/CzULxSjOgOt/?igshid=MXd3YWtxaXNudTlhYw%3D%3D. Acessado em: 07/11/2023, às 18h25.

Página do Instagram @chargesdoniniu: https://www.instagram.com/p/CzR2uMZOVkf/?igshid=MTU5YjFxcDZ3dnp6OA%3D%3D. Acessado em: 07/11/2023, às 17h50.

Página do Instagram da Organização Internacional do Trabalho: https://www.instagram.com/p/CzT1Fi0syT5/?igshid=MTdrZDg4cnpsbGtrOA%3D%3D. Acessado em: 07/11/2023, às 18h10.

Livro: Você já é feminista, com os artigos de Nana Queiroz e Helena Bertho.

Página do Instagram https://www.instagram.com/juntasfestival/. Acessado em: 07/11/2023, às 17h40.

[1] Essa fala foi retirada do site: https://lab.thinkolga.com/economia-do-cuidado/

Outras notícias :